Quando uma criança nasce, seja menino ou menina, geralmente pais e mães querem o melhor do mundo para ela. Na medida do possível, os genitores vão fazer tudo o que podem para prover alimentação, a melhor educação que seu dinheiro possa pagar, enfim, prover chances reais de desenvolvimento e sucesso na vida futura dessas crianças. Hoje vou falar especificamente de meninos, não de meninas.
A questão de gênero se faz presente muito cedo, existe uma preocupação em que bebês meninos sejam meninos, então em roupas, decoração de quarto e apetrechos, tudo, tudo mesmo remeta a um universo supostamente masculino: azul, carrinho, avião, urso com roupa de homem.
Apesar desse esforço sobre-humano para que cada gênero fique no seu gênero e consequentemente criemos filhos heterossexuais, existe uma verdade que pouca gente percebe, que a orientação sexual de qualquer pessoa não tem muito a ver com o gênero dela, afinal, um homem másculo pode gostar de outros homens másculos, mulheres femininas podem gostar de mulheres femininas como o contrário ou mesmo um homem mais efeminado pode gostar de uma mulher extremamente feminina, enfim, as combinações podem ser muitas e variadas.
E, felizmente, os relacionamentos afetivos acontecem por conta de muitos outros motivos, que não o dessa obsessão por azul para meninos e cor de rosa para meninas. Ao longo da vida dessas crianças, elas vão aprendendo que ser bicha é errado, ser preto é ruim, mulher é menos que homem e mais um monte de porcaria. Como elas aprendem isso? Assim: “Não chora que isso é coisa de mulherzinha!”, ou ” Larga mão de ser viadinho e vem jogar”, “Ah Dona Maria! Mulher não presta no trânsito mesmo!”, “Eu lá quero macaco na minha família?”, “Vai casar com esse preto, minha filha?”
É tristemente curioso perceber que todos esses preconceitos estão tão internalizados em todos nós que não nos damos conta. Usamos adjetivos que deveriam ser apenas descritivos de maneira pejorativa. Você já reparou nisso? Vira e mexe, todo mundo solta um, a autora aqui do texto inclusive. A Claudia Wonder, que foi uma figura muito importante para a luta dos direitos humanos na cidade de São Paulo, e sim, ela era uma travesti, dizia que todo dia tinha que lutar com o seu próprio preconceito internalizado, porque se todos os travestis pudessem escolher, é óbvio que prefeririam ser heterossexuais, ou no máximo bichas masculinizadas, não efeminadas, pois a vida seria muito mais fácil.
Mas aí eu me pergunto que tipo de filho eu gostaria de ter. E que tipo de filho os outros gostariam de ter. Filho que bate em mulher? Filho que bate em bicha? Filho que queima mendigo? Filho que mata preto? Porque na hora em que temos tantos desejos para esse futuro de nossos filhos, quero crer que ninguém quer um filho assim. Mas ao mesmo tempo, quando não olhamos para os nossos preconceitos com honestidade, falamos que tudo isso escrito acima é legal, legítimo, válido. Que problema tem em dar um tapinha educativo de vez em quando? Que problema tem em chamar o outro de mulherzinha porque está com medo de pular do muro? Que problema tem em xingar o outro de viadinho porque ele não quer jogar? Que problema tem em dizer que esse trabalho é tão ruim que é de preto?
Quer saber quais são os problemas? São esses: quando batemos em nossos filhos ensinamos que não é covardia bater no mais fraco, quando chamamos o outro que está com medo de mulherzinha estamos ensinando que mulheres são medrosas e menos que machos, quando xingamos uma pessoa de viadinho estamos ensinando que a orientação sexual dela (que não tem nada a ver com a nossa vida) é pior do que a nossa, quando dizemos que trabalho de preto é ruim reproduzimos a lógica nefasta do tempo da escravidão no nosso dia-a-dia e assim ensinamos aos nossos filhos que quanto mais branco eles forem, melhor.
São esses os problemas.
E isso gera Brunos e Diegos como os dois rapazes que espancaram o André Cardoso Gomes Baliera há dois dias atrás em Pinheiros. E os pais desses dois caras deveriam colocar a mão na consciência e se perguntar onde é que eles erraram. Porque erraram feio. Onde já se viu bater em gente que não conhece? Isso lá é coisa que se ensine em casa? Caso os pais do André tenham se decepcionado em algum momento pela orientação sexual de seu filho (e isso é muito comum), espero que hoje revejam seus conceitos e preconceitos. Ser uma pessoa de bem independe de gênero e orientação sexual, mas sim de se ter o respeito pelo outro, pelo diferente.