Passeio no Bom Retiro
02/05/13 07:00Ao sair da estação Tiradentes do metrô e caminhar em direção à rua Três Rios no coração do Bom Retiro é como fazer uma viagem no tempo e no espaço. Vemos traços da ocupação do bairro por diferentes colonias a partir do loteamento da chácara Bom Retiro e adjacências no final do século 19, principalmente (mas não só) as italiana, judaica e coreana. À nossa direita o Edifício Ramos Azevedo, onde fica o Arquivo Histórico de São Paulo tem um pé de mexerica carregado, as bichinhas maduras e laranjas sob a luz do sol. Pena que os mendigos que dormem sob sua sombra nem os transeuntes se aproveitam de seus frutos. O Edifício Ramos Azevedo é lindo e se destaca pela reforma recente, seu janelão arredondado, se não estivéssemos com fome e com interesses mais prosaicos teríamos entrado no prédio para visitar. Passamos em frente ao Instituto Dom Bosco, na rua Afonso Pena e continuamos pela Três Rios, passamos por várias bibocas: xerox, velas, cabelereiro e chapinha e paramos para conversar com uma senhora que tomava conta de uma relojoaria-biboca e nos deu um conselho precioso. Que ela vem tentando há anos seguir mas não consegue:
Passamos por botecos nas esquinas, está todo mundo almoçando e a nossa fome aumentando. Aquele chavão da multiculturalidade do bairro não pode ser mais explícito na hora do almoço com todo mundo na rua, ouvimos coreanas papear animadamente em coreano, uma família de bolivianas muito elegantes com seus brincos de filigrama dourados e cabelos presos e lustrosos, um senhor e uma senhora com cara do leste europeu debatendo animadamente a maioridade penal na porta da Doceria Burikita, motoboys apressados tentam ultrapassar o entregador da mercearia que vai tranquilo em sua bicicleta. Nesse pedaço do Bom Retiro o bairro tem cara de bairro mesmo, tranquilo, cordial, nada do buxixo ou das vitrines incríveis da José Paulino.
As ruas são tranquilas, crianças uniformizadas andam sozinhas pelas calçadas, as bancas de jornal ainda são muitas e em cada esquina. Numa galeria encardida da José Paulino comemos falfel, homus e batata frita enquanto observáva-mos a fritura dos quitutes no óleo quente e dourado.
Tomamos café numa loja de chocolates, passamos pela Oficina Cultural Oswald de Andrade, que fica em frente à um tradicional colégio de freiras, o Santa Inês. A tarde ia passando entre uma loja cheia de galochas de borracha, lojas de cabides e a infinidade de periféricos texteis à venda das confecções da José Paulino.
Entramos na sede do ICIB, ou Casa do Povo como já foi conhecida. O prédio abrigou o Teatro Taib e a escola Schlomo Aleichem e foi importante foco de resistência da colonia judaica à ditadura militar. Hoje aos pedaços, uma associação de ex-alunos da escola luta para restaurar o prédio e resgatar seu propósito original, como uma casa que olha para o futuro, fomentando projetos experimentais que dialoguem com a história do bairro.
Em meio à poeira e escombros jovens trabalham medindo salas, catalogando documentos e restos do móveis antigos. Os livros da biblioteca são todos em ídiche e muitas edições são bilíngues – ídiche e russo (obras comunistas imprimidas na União Soviética que chegavam contrabandeadas da Argentina ou Uruguai). Vamos subindo os andares explorando o espaço, que é vasto e iluminado, até chegar no telhado, com os restos de uma quadra improvisada e salas do que devia ser a pré-escola.
Passamos mais um tempo examinando o antigo teatro e suas poltronas vermelhas. É engraçado como um lugar que está caindo aos pedaços ao mesmo tempo seja feito de maneira tão sólida e maciça. Nos despedimos e entramos na mercearia coreana que fica justo em frente. Não dá para ser mais diferente. Milhares de produtos ensacados, caixas e garrafas coloridas, com os mais diversos tipos de alimentos, dá para passar horas e horas por lá investigando cada rótulo e balinha. Nos contentamos com uns sucos e canela em pau e saímos, pois já está ficando tarde.
No caminho de volta, entre uma banca de jornal e outra atrás da revista Recreio (“com brinquedinho! com brinquedinho!” – diz Benjamim) ainda temos a sorte de esbarrar com o afiador de tesouras e sua bicicleta adaptada. E pegamos o metrô cansados de tanta andança e poeira, mas com um gosto de coisas antigas e novas misturadas na boca e a certeza que o Bom Retiro é um grande barato, não só para adultos!